A Experiência da Médica Sarah Schafer, dos EUA, sobre ter Síndrome de Sjögren.

A Experiência da Médica Sarah Schafer, dos EUA, sobre ter Síndrome de Sjögren.

Quando estudava medicina, não estava muito predisposta a diagnosticar-me a doença que estava na ordem do dia. Nadadora e triatleta, pensava ser uma das pessoas com menos probabilidade de desenvolver uma doença crónica no auge da minha vida. Mas foi precisamente o que aconteceu.

Olhando para trás, os sinais de aviso estavam lá. Tinha os olhos secos e irritados desde a adolescência. Um grande cansaço havia-se instalado ao longo do tempo. Aos 44 anos, depois de uma pequena cirurgia a uma hérnia, a minha saúde deteriorou-se de forma súbita e rápida. Sofria de um enorme cansaço, enxaquecas constantes, dores abdominais, náuseas e diarreia. Era como se todas as células do meu corpo estivessem de molho numa marinada tóxica. Primeiro pensei que fosse uma reação a um medicamento; mas os sintomas agravaram-se à medida que os meses iam passando.

Nenhum dos meus médicos suspeitou da SS, apesar de eu ter um expressivo historial clínico, incluindo a oclusão do canal lacrimal por causa da secura ocular, sinusite crónica, dores musculares e tendinites persistentes em diversas articulações. Aquando de um exame gastrointestinal, disseram-me que tinha provavelmente uma grave forma de síndrome do cólon irritável. Para mim, era claro que se passava algo muito mais sério e que não afetava apenas o intestino.

Ao longo de um ano desta provação, fiz investigação suficiente para suspeitar que a SS era a provável culpada. Apesar de as análises não terem acusado anticorpos indicativos desta doença, pedi para ser vista por um reumatologista e para fazer uma biópsia das glândulas salivares. A biópsia foi anormal, no entanto não foi considerada devido à reduzida proliferação celular. Ainda que o diagnóstico não fosse claro, comecei a tomar prednisona. Em apenas alguns dias, os meus sintomas gastrointestinais melhoraram de forma significativa. E diziam que era síndrome do cólon irritável.

Tive a sorte de trabalhar com um excelente reumatologista que estava disposto a considerar o meu caso como «provável Sjögren», tendo em conta o meu quadro clínico. Sete anos depois, uma segunda biópsia das glândulas salivares confirmaria o meu diagnóstico.

O PROBLEMA DO DIAGNÓSTICO:

A maior parte das pessoas na minha situação teria ouvido do médico que não tinha SS. Conheço mulheres com histórias semelhantes a quem foi dito que os seus sintomas tinham que ver com o stress ou a menopausa (90% dos doentes com SS são mulheres). Por serem comorbidades frequentes em pacientes com SS, a depressão, a doença da tiroide, a doença celíaca e a fibromialgia podem levar os médicos a não procurar uma causa subjacente a todos estes sintomas.

O atraso no meu diagnóstico é típico. De acordo com um recente estudo feito pela Fundação da Síndrome de Sjögren, o tempo médio para se chegar a um diagnóstico é de 4,7 anos. Uma vez que os sintomas são variados, o diagnóstico exige tempo e uma boa coordenação dos cuidados de saúde. Esta abordagem não se integra no nosso atual sistema de saúde, de cuidados fragmentados e consultas de 15 minutos. Quando é feito um diagnóstico de SS não há procedimentos médicos estandardizados.

Nada disto seria surpreendente se a SS fosse uma doença rara. No entanto, partilha com a artrite reumatoide o nado honroso título de doença autoimune mais frequente. De acordo com o recente Grupo de Trabalho para os Dados Nacionais sobre a Artrite, a SS Primária afeta quase 3,1 milhões de adultos nos EUA. Se se incluir a SS Secundária, as estimativas mais prudentes apontam para quatro milhões de pessoas afetadas, aproximadamente 1% da população adulta. No entanto, a doença não foi diagnosticada na maior parte destas pessoas.

Há uma ênfase no tratamento de muitas outras doenças autoimunes, como a artrite reumatoide, logo desde a fase inicial da doença. Na artrite reumatoide, esta abordagem permitiu melhorar os resultados clínicos. Recentemente foram desenvolvidos esforços para identificar uma fase «pré-artrite», na esperança de evitar o desenvolvimento da doença no paciente. O contraste com a demora no diagnóstico de SS em pacientes que apresentam sinais de alarme é evidente. Há poucos incentivos para diagnosticar a doença de forma adequada quando não está demonstrado que o tratamento melhore os resultados. Pura e simplesmente não foram feitos estudos.

UM PRECONCEITO QUE SE AUTO-PROPET

O maior obstáculo ao diagnóstico de SS é, talvez, a própria tendência que a comunidade médica tem para achar que não estamos assim tão doentes como isso. Foi o que aprendi na faculdade. Esta ideia parece ignorar que entre 20% e 40% dos doentes têm graves manifestações sistémicas. Dor, cansaço, disfunção intestinal e neuropatias não são consideradas manifestações graves. No entanto, estes sintomas, extremamente comuns, são frequentemente muito mais debilitantes do que a secura.

Muitos reumatologistas concentram-se na secura, ignorando muitas vezes as manifestações extra glandulares, em especial o cansaço. Quase todos os doentes com SS que conheço ouviram algo como «Pelo menos não tem lúpus! Isto revela tanta sensibilidade como dizer a alguém com cancro da mama que deveria estar contente por não ter cancro do ovário. Temos uma doença que pode deixar a nossa vida de pernas para o ar.

MAIS DO QUE A SECURA

Os sintomas de secura são significativos. Soube-o por experiência própria, com a grave secura ocular, incluindo a dor neuropática. Porém, o que me afeta mais é o cansaço semelhante ao da gripe, presente em 70% dos doentes com SS Primária. Este cansaço não é a normal exaustão, que desaparece com o descanso. Devido ao cansaço, não consegui levar uma vida normal durante os últimos onze anos.

No início da tarde já estou de rastos, mesmo nos meus melhores dias. Durante as crises, estou fora da cama (completamente aturdida) entre seis e oito horas por dia. O descanso na cama não é uma opção. Se me esforçar demasiado, a doença entra numa espiral descontrolada, deixando-me incapaz de realizar tarefas simples do dia-a-dia. Não consigo mudá-lo, por maior que seja a minha força de vontade e por melhores que sejam as minhas estratégias.

Isto afetou muito a minha vida familiar: quando os meus filhos cresciam, eu ficava em casa durante as férias que eles faziam com o pai, conhecendo a Europa, o Canadá e muitas zonas de natureza selvagem mais perto de casa. Este cansaço contínuo não me agrada mesmo nada. Quero praticar medicina. Quero viajar, andar de bicicleta, fazer refeições ótimas e, de vez em quando, sair à noite. Tudo isto é incompatível com a energia de que disponho.

NOVOS CRITÉRIOS DEMASIADO RESTRITIVOS

O diagnóstico da SS continua a ser controverso e problemático. Não há um teste que seja sensível, específico e não invasivo. Seria extremamente vantajoso usar um biomarcador na identificação da síndrome de Sjögren, de forma precoce e precisa. Em 2012, o Colégio Norte-Americano de Reumatologia (ACR) determinou novos e rigorosos critérios para a classificação de síndrome de Sjögren. Embora sejam úteis para a investigação, estes critérios são demasiadamente restritivos para serem usados num quadro clínico.

O atraso no diagnóstico, e portanto no tratamento, prolonga o sofrimento e pode ter consequências na progressão da doença. Até dispormos de melhores testes, é preciso saber que muitos pacientes com SS não poderão satisfazer estes critérios restritivos e deverão ser tratados com base no quadro clínico.

TRATAMENTO E ESTUDOS CLÍNICOS

Embora alguns progressos tenham sido feitos no tratamento do olho seco e da boca seca, poucos estudos se debruçaram sobre o impacto dos tratamentos nas manifestações sistémicas. A falta de estudos clínicos sobre a síndrome de Sjögren é impressionante, dada a alta prevalência desta doença.

Sem esta informação essencial, não é possível saber se uma intervenção numa fase inicial pode fazer toda a diferença. Os estudos clínicos sobre a SS costumam ser pequenos, de curta duração e mal controlados. De acordo com um recente artigo apenas cinco estudos analisaram o uso de hidroxicloroquina, o medicamento mais usado. Apenas um destes estudos foi um ensaio clínico aleatório controlado. Quanto a outros medicamentos muito usados, a prednisona e o metotrexato, não foi estudado o seu impacto nas manifestações extra glandulares.

Novos fármacos agentes biológicos vão aparecendo no mercado, porém são estudados quase exclusivamente para outras doenças. Dada a gravidade da minha doença, tenho experimentado vários medicamentos — sem muito sucesso — ainda que não ofereçam garantias. Sou suficientemente corajosa e estou suficientemente desesperada para correr riscos. No entanto, o facto de não ter dados que apoiem estas experiências é preocupante.

UMA LISTA DE DESEJOS PARA A INVESTIGAÇÃO E O TRATAMENTO CLÍNICO:

Dar prioridade à determinação de um teste, como um novo biomarcador, que possa identificar a SS ou até uma fase pré-clínica da doença de uma forma precisa.

Definir claramente o espectro de manifestações da SS. Estudar numerosos casos de doentes para determinar:

  • a prevalência de vários sintomas e complicações, incluindo o cansaço, a dor, a qualidade de vida e a função cognitiva, que são frequentemente esquecidos na investigação e no quadro clínico;
  • a tendência para a manifestação de crises e o desenvolvimento da doença, com e sem tratamento;
  • que intervenções fazem a diferença. Temos de pensar num horizonte mais alargado. Muitos especialistas concordam com a possibilidade de vários fatores ambientais desencadearem a autoimunidade em várias doenças. Parece lógico que a conjugação de vários fatores desencadeie o estado clínico em indivíduos mais predispostos a esta doença;
  • a forma como a alimentação, patogénicos, micro bioma, stress, dor e toxinas influenciam o desenvolvimento e a progressão da SS. Qual é o papel da medicina complementar?

3.Linhas de orientação para a prática clínica:

  • Criar linhas de orientação para o tratamento clínico que não estejam relacionadas apenas com a secura. A Fundação da Síndrome de Sjögren está empenhada nesta iniciativa.
  • Desenvolver um índice de atividade da doença que inclua uma avaliação do cansaço, da dor e da qualidade de vida.
  • Avaliar rotineiramente manifestações sistémicas, incluindo manifestações gastrointestinais, respiratórias, cognitivas e neurológicas.

Instruir os prestadores de serviços médicos, incluindo de cuidados primários, sobre a SS.

4. A maior parte dos médicos não está familiarizada com a SS e subestima a prevalência e a gravidade da doença:

  • O diagnóstico de síndrome de Sjögren tem de se tornar prioritário. Os médicos que se ocupam de mulheres adultas encontram provavelmente um número significativo de pacientes com SS, ignorando muitas vezes pistas que poderiam levar ao diagnóstico.
  • Os médicos devem ser informados sobre as mais comuns e variadas manifestações da doença e conhecer os passos que devem ser dados para diagnosticar e tratar estes sintomas.
  • Os médicos devem compreender que os atuais critérios de classificação se destinam à investigação e podem ser enganadores quando se pretende fazer o diagnóstico num quadro clínico. A ausência de resultados laboratoriais ou de uma biopsia não exclui a possibilidade de um diagnóstico.
  • Finalmente, deixem de nos dizer que temos sorte por não termos lúpus!

A Dr.ª Schafer sofre de SS e é porta-voz da Fundação da Síndrome de Sjögren dos EUA. Foi médica de saúde pública especialista em pediatria, planeamento familiar e doenças sexualmente transmissíveis, em São Francisco e no condado de Contra Costa, nos EUA.