Por que ocorrem conflitos religiosos?

Por que ocorrem conflitos religiosos?

Na verdade, os grandes conflitos ocorrem por outros motivos que vão além da questão religiosa. A questão religiosa é mais um componente que pode ser utilizado para manipular, inflamar e mobilizar as massas.  Aliás, isto é uma contradição, visto que as tradições religiosas pregam exatamente o contrário, ou seja, a solidariedade, o amor ao próximo, a fraternidade etc.

Geralmente pensamos que os conflitos estão restritos a cristão e muçulmanos. Talvez isso ocorra pelo fato de existir uma polaridade política e cultural que coloca o mundo árabe de um lado e mundo cristão ou ocidental do outro. Os meios de comunicação costumam divulgar com mais ênfase os conflitos envolvendo o mundo árabe contra os cristãos. Nesse sentido, o conflito mais antigo e o mais divulgado é o que ocorre entre palestinos e judeus. Costuma-se associar esse conflito como uma discórdia entre islamismo e judaísmo. No entanto, como uma grande parte dos cristãos entende que o cristianismo é uma continuação do judaísmo, eles acham que esta é uma briga que de certa forma também envolve o cristianismo. Embora os cristãos não estejam diretamente ligados a esta questão.

Até pouco tempo existiu um conflito religioso que se restringiu a católicos e protestantes, refiro-me aos conflitos na Irlanda do Norte. Nesse caso específico, temos um componente especial, uma vez que o conflito acontecia entre grupos da mesma matriz religiosa, o cristianismo. Eram cristãos lutando contra cristãos.

As vezes o conflito envolve mais do que dois grupos. É o caso da disputa pela Caximira, na Índia. Nesse embate estão presentes três povos (indianos, paquistaneses e chineses) com suas respectivas religiões: hinduísmo, islamismo e budismo).

Outra disputa muito parecida com o que ocorreu na Irlanda, envolvendo dois grupos cristãos, ocorre também no Tibet. Nessa região há uma disputa com a China. Assim, os budistas de linha tibetana não são bem-vindos no território chinês, uma vez que estão em conflito com o governo chinês pela disputa desta região.

Veja, nesses casos, não estamos nos referindo a pequenos conflitos de rua, hostilidades, intolerância religiosa devido a alguma ofensa verbal ou coisa parecida. Esses três conflitos (Irlanda, Caximira e Tibet), são conflitos armados. Os conflitos religiosos são alimentados pela disputa de poder ou conquista de território. O que está em jogo aqui são disputas por reconhecimento territorial, direito de ter um país livre ou até mesmo constituir um país. Assim, a religião entra como mais um componente dessa disputa.

No Egito há um conflito entre cristãos da Igreja Ortodoxa Copta e islâmicos radicais. Neste caso, parece-me, não existir questões territoriais. A intolerância é motivada por uma linha radical islâmica, uma vez que 85% da população egípcia é islâmica. Ao que parece este conflito restringe-se a um grupo que quer impor pela força a hegemonia dos valores religiosos. Nesse sentido, os cristãos são vistos como infiéis.

Porém, é necessário fazer uma separação entre os conflitos que têm uma característica de disputa territorial e étnica, em que a religião entra como um componente a mais, e aqueles que se restringem a hostilidades praticadas pela população ou dificuldades e barreiras criadas pelos Estados para limitar a ação dos grupos religiosos. Assim, é possível afirmar que são muito poucos ou quase inexistentes os conflitos que se caracterizam como eminentemente religioso. Em geral, a causa desses conflitos religiosos que mencionei, por mais contraditório que pareça, não está na religião.

Portanto, matar em nome de Deus é uma contradição. A religião não é constituída com o objetivo de matar. Pelo contrário, ela propõe acolher, inclusive o inimigo. Aqui eu lanço mão de uma tradição bíblica que diz: “O ladrão não vem, senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância (João 10,10)

Portanto, temos que manter cuidado com as generalizações. Esse tipo de religiosidade que quer se estabelecer através do medo e terrorismo não é uma prática do islamismo. Essa prática está confinada a um grupo específico, a uma ala radical e fundamentalista. Assim, o islamismo ou qualquer outro grupo religioso não pode ser visto ou representado como violento ou terrorista.

Clemildo Anacleto da Silva

Professor do PPG Mestrado em Reabilitação e Inclusão do Centro Universitário Metodista- IPA. Coordenador Núcleo de Estudo sobre Educação, Diversidade e Inclusão.

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