Que papel a religião pode exercer na sociedade?

Que papel a religião pode exercer na sociedade?

A presença da religião na sociedade suscita uma série de debates que muitas vezes passam despercebidos pela população. Em geral, a população brasileira, não percebe a interferência social da religião. Costuma-se pensar que a religião somente interfere na vida privada daquela pessoa que fez opção por participar de um grupo religioso. No entanto, nesse texto, monstro alguns assuntos que estão relacionados à religião e sua interferência na sociedade.

A religião tem uma força e uma influência muito grande na sociedade brasileira, principalmente as vertentes ligadas ao cristianismo. O cristianismo, como religião historicamente hegemônica, continua exercendo poder no que se refere à discussão sobre valores e práticas comportamentais.

Esse poder que, principalmente o cristianismo exerce so­bre a sociedade, também, está relacionado ao número de adeptos que estão sob a sua influência. No último censo de 2010, reali­zado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), constatou-se que 88% da população se declarou cristã. Estão incluídas, nesse número, católicos e protestantes. Assim, o que estou denominando de sociedade cristã, nada mais é do que a soma desses dois grupos. Embora sejam grupos diferentes, no que se refere à concepção acerca das doutrinas cristãs, os dois fazem parte da mesma matriz religiosa, ou seja, o cristianismo. Essa hegemonia cristã demonstra, também, a influência política que os grupos reli­giosos podem exercer sobre a sociedade.

Uma das formas de demonstrar sua hegemonia e controle do espaço diz respeito à presença constante de símbolos religio­sos em lugares públicos. Historicamente essa presença tem ex­plicação no processo de colonização. No entanto, nos dias atuais, não somente símbolos cristãos têm ocupado os espaços públicos; já se percebe, embora ainda com menos frequência, a presença de símbolos religiosos relacionados a outras experiências religio­sas como umbanda, candomblé, judaísmo e budismo.

A existência de símbolos religiosos em espaço público é uma maneira de delimitar ou marcar território. Muitas vezes, essa presença vem associada a privilégios. Uma vez que o Estado brasileiro se declara laico, ou seja, não tem uma orientação reli­giosa oficial e há separação entre a Igreja e ele, não deveria haver relação que envolvesse privilégio de um grupo religioso em detri­mento do outro no que se refere ao relacionamento com o Estado. A simples separação entre Igreja e Estado não garante a laicidade, apenas caracteriza que este não adotou uma religião oficial e por isso abre a oportunidade para que outros grupos religiosos rei­vindiquem tratamento igualitário.

O Estado deve garantir, portanto, o direito de pluralidade e diversidade religiosa de maneira que não haja privilégio de um grupo sobre o outro nessa relação com o Estado. Nesse sentido, a laicidade também se apresenta como uma forma de garantir a diversidade e a pluralidade. Não há motivos para temer um processo de estabelecimento de laicidade. Pelo contrário, a laicidade é uma maneira de garantir a participação das mais diversas tradições reli­giosas de forma democrática, livre, igualitária e respeitosa.

Mais do que nunca, faz-se necessário estudar a presença da religião, bem como compreender sua influência sobre a sociedade. O estudo sociológico do Fenômeno Religioso pode contribuir com a discussão e esclare­cimento a respeito do conceito de laicidade, secularização e o respeito à diversidade religiosa. Esses temas são fundamentais para resolver problemas que envolvem a relação da religião com o Estado e a sociedade.

Sendo assim, é relevante indagar: qual é o lugar da religião na sociedade? O Estado deve interferir colocando limites para atuação e práticas religiosas? As tradições religiosas podem atuar politicamente? O Estado deve manter uma relação de total sepa­ração ou é possível uma relação de cooperação entre Religião e Estado? É possível o Estado promover a diversidade e a pluralida­de religiosa e, ao mesmo tempo, garantir sua autonomia em rela­ção às tradições religiosas? A presença de símbolos religiosos em espaços públicos compromete a laicidade? É possível estabelecer um Estado laico em uma sociedade fortemente marcada pela pre­sença religiosa?

A partir dessa problematização, entendemos que o papel da religião na sociedade brasileira deve ser caracterizado, sobre­tudo, por defender a diversidade, a liberdade religiosa, o combate à intolerância, a promoção do respeito e a laicidade do Estado. Eu quis mostrar que embora a religião exerça um papel social, ela é muitas vezes entendida com prática individual, privada e que, portanto, não interfere em nossas relações sociais. No entanto, existem uma série de problemas que podem ser suscitados ou ter origem na religião e por esse motivo se faz necessário entender seus limites e o papel que ela exerce na sociedade. Assim, é necessário delimitar claramente o poder político da religião; sua contribuição ou ameaça à laicidade; sua participação no que se refere ao combate à intolerância, a promoção e reconhecimento da diversidade.

Clemildo Anacleto da Silva

 Professor do PPG Mestrado em Reabilitação e Inclusão do Centro Universitário Metodista- IPA. Coordenador Núcleo de Estudo sobre Educação, Diversidade e Inclusão.

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